quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Santiago Andrés Maldonado vida e acão
Tatuador e artesão anarquista, Santiago Andrés Maldonado vivia na região patagônica, entre Argentina e Chile. Em realidade não tinha domicílio fixo, costumava viajar muito por esta zona. Esteve desaparecido por quase 3 meses após a repressão da Gendarmeria sobre um corte de estrada realizado por mapuches na Pu Lof (comunidade) em resistência no departamento de Cuchamen (província de Chubut), contra a prisão de seu Lonko (líder) Facundo Jones Huala. Santiago estava neste corte de estrada, assim como esteve em diversas outras ocasiões apoiando a luta de povos originários ou de pequenas comunidades, como havia feito no Chile poucas semanas antes de sua desaparição. Seu corpo foi encontrado e reconhecido pelos familiares nas últimas semanas de outubro. Morreu afogado no rio fugindo dos gendarmes que invadiam as terras mapuches sem mandado, e que portavam, além dos equipamentos convencionais, machados e pedras. Os eventos que levaram à morte de Santiago ainda não foram esclarecidos, especialmente devido ao fato de que a força policial deu três versões diferentes do ocorrido nos dias que se seguiram ao desaparecimento de Maldonado. Poucas semanas após a autópsia do corpo que confirmou sua morte por hipotermia e asfixia, foi a vez de Rafael Nahuel ser assassinado, desta vez pela Prefectura (polícia naval), em uma operação contra uma ocupação de terras mapuche próximo à cidade de Bariloche. A campanha do atual governo para respaldar as forças repressivas do Estado e difundir uma grande quantidade de mentiras com apoio dos principais grupos de mídia faz parte dos planos que este governo tem para incrementar o uso da Gendarmeria como força de choque contra distúrbios sociais, aprofundando o uso que os governos anteriores faziam desta que é a força mais militarizada entre as polícias argentinas. Ambos assassinatos demonstram que o atual governo está colocando muitas fichas nos negócios extrativistas situados no norte da Patagônia, em províncias como Chubut, Neuquén e Rio Negro, e a mensagem que estão passando é a de que não irão tolerar um aumento da conflitividade social, particularmente do povo mapuche, que tem uma longa história de resistência contra os estados nacionais que hoje controlam os territórios onde vivem.
quarta-feira, 17 de janeiro de 2018
A revolução curda, vive e vencerá
Uma introdução à revolução no Norte da Síria
Em 2011 uma série de revoltas explodiu no Oriente Médio e no Norte da África. O acúmulo de décadas de injustiças sociais e falta de democracia resultaram em protestos massivos levaram a queda de regimes e famílias no poder no Egito, Líbia, Tunísia, Iêmen e Bahrein. O que unia estas massas era a negação de décadas de concentração de poder político, e uma vez derrubados os regimes, essa coesão não se materializou na construção de projetos políticos democráticos ou mesmo estabilidade política. Na Síria a família Assad resistiu de 2011 até o presente apesar da forte pressão da OTAN por uma mudança de regime. Quando os protestos se converteram em um conflito armado foram os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Irmandade Muçulmana que patrocinaram a fundação do Exército Livre da Síria, organização armada com a finalidade de derrubar o regime de Bashar al-Assad. O vazio ideológico foi terreno fértil para organizações islâmicas fundamentalistas recrutarem militantes, tornando a frente rebelde em um emaranhado de grupos com objetivos políticos fragmentados. Foi então que do Iraque surgiu um fantasma da última intervenção americana na região. A invasão americana que resultou na queda de Saddam Hussein em 2003 no Iraque e o estabelecimento de um governo xiita fermentou a criação de um movimento com crenças semelhantes a Al Qaeda mas com poder e organização para capturar e defender territórios no Oriente Médio com o propósito de construir um califado da proporção do antigo Império Otomano. O Estado Islâmico (chamaremos de EI a partir daqui) cruzaria o Iraque até a Síria sem encontrar resistência até chegar na cidade de maioria curda chamada Kobanî. O ocidente “redescobre” os curdos A mídia internacional redescobriu os curdos após a resistência vitoriosa em Kobanî em 2014. Organizados em milícias, sendo uma delas exclusiva de mulheres (YPJ, as Unidades de Proteção Femininas), a libertação de Kobanî daria início a uma campanha de vitórias sobre o EI que segue em curso. Poucos sabiam até então da longa história de luta do povo curdo. Considerado um povo nativo da antiga Mesopotâmia é caracterizada por habitar regiões
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montanhosas, mesmo que esta demografia tenha mudado ao passar dos séculos as montanhas ainda desempenham um papel na estratégia de guerrilha dos curdos. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Oriente Médio e especialmente o Império Otomano derrotado viu seu território ser dividido pelos vencedores Inglaterra e França no acordo Sykes-Picot. Não apenas o território foi dividido com a criação do Iraque, por exemplo, mas a forma determinada do estado-nação foi imposta. Se antes o Império Otomano era baseado na administração e no pacto de diferentes culturas, o Estado-nação é baseada na unidade identitária e consequentemente na violência contra aqueles que não se encaixam nesta unidade. Os curdos ficaram divididos entre a Turquia, Síria, Iraque e Irã. Durante todo o século XX, realizaram diversas rebeliões e revoltas para garantir direitos básicos que lhes eram negados. Repúblicas autônomas foram criadas e esmagadas pela força do Estado e seus patrocinadores imperialistas. O genocídio, os deslocamentos em massa, a negação de sua existência, as vilas destruídas e a diáspora são realidades em comum para os curdos dentro destes quatro territórios desde então. No final dos anos 70 surge na Turquia o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que na década seguinte ganharia adesão da população curda e entraria em um conflito aberto contra o estado turco. No auge do período das lutas de libertação nacional, o partido segue a mesma linha de lutar pela criação de um estado nacional curdo independente. No entanto diversos fatores, em especial a ascensão das organizações femininas dentro do partido irão mudar profundamente os métodos e objetivos da luta. Uma das principais lideranças do PKK, Abdullah Öcalan foi preso no Quênia em 1999 pelo serviço secreto turco com apoio da CIA e do Mossad israelense. Öcalan, mantido até hoje em confinamento, iria de a prisão sistematizar as novas linhas ideológicas que surgiram no partido durante os anos 90. A forma do Estado-nação passa a ser identificada como uma dominação imposta aos povos da região e por tanto cai por terra o objetivo de formar um estado independente curdo.
A negação do estado e o confederalismo democrático A negação do estado implica em novas formas de organização da sociedade, inspirado pelos zapatistas no México e pelos escritos do anarquista americano Murray Bookchin, Öcalan propõe um sistema denominado confederalismo democrático. A proposta é a organização das comunidades em reuniões presenciais onde tudo é decidido por todos dentro de pequenos territórios. Quando um assunto envolve uma região maior, a construção de uma estrada ou abastecimento elétrico, por exemplo, delegados da comunidade vão para um conselho regional levar as decisões para outras comunidades. Estes delegados não vão decidir pela comunidade e sim levar as decisões tomadas pelo grupo para o outro nível. É um fluxo de tomada de decisões e poder que vem de baixo para cima. Com o início da guerra na Síria, o governo foi incapaz de manter as forças armadas na região curda. As milícias curdas expulsaram os soldados do regime que restaram e desde 2012 estabeleceu-se o território autônomo de Rojava, regido pelos princípios do confederalismo democrático. A democracia direta aplicada através dos conselhos populares baseados na comuna como sua unidade mais importante é responsável pelas decisões, porém ainda hoje divide o espaço políticos com uma assembleia legislativa e um comitê executivo que mais se assemelham a formas parlamentares de representação. - Coletivo Coyote
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