quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

A revolução curda, vive e vencerá


Uma introdução à revolução no Norte da Síria 


Em 2011 uma série de revoltas explodiu no Oriente Médio e no Norte da África. O acúmulo de décadas de injustiças sociais e falta de democracia resultaram em protestos massivos levaram a queda de regimes e famílias no poder no Egito, Líbia, Tunísia, Iêmen e Bahrein. O que unia estas massas era a negação de décadas de concentração de poder político, e uma vez derrubados os regimes, essa coesão não se materializou na construção de projetos políticos democráticos ou mesmo estabilidade política. Na Síria a família Assad resistiu de 2011 até o presente apesar da forte pressão da OTAN por uma mudança de regime. Quando os protestos se converteram em um conflito armado foram os Estados Unidos, a Arábia Saudita e a Irmandade Muçulmana que patrocinaram a fundação do Exército Livre da Síria, organização armada com a finalidade de derrubar o regime de Bashar al-Assad. O vazio ideológico foi terreno fértil para organizações islâmicas fundamentalistas recrutarem militantes, tornando a frente rebelde em um emaranhado de grupos com objetivos políticos fragmentados. Foi então que do Iraque surgiu um fantasma da última intervenção americana na região. A invasão americana que resultou na queda de Saddam Hussein em 2003 no Iraque e o estabelecimento de um governo xiita fermentou a criação de um movimento com crenças semelhantes a Al Qaeda mas com poder e organização para capturar e defender territórios no Oriente Médio com o propósito de construir um califado da proporção do antigo Império Otomano. O Estado Islâmico (chamaremos de EI a partir daqui) cruzaria o Iraque até a Síria sem encontrar resistência até chegar na cidade de maioria curda chamada Kobanî. O ocidente “redescobre” os curdos A mídia internacional redescobriu os curdos após a resistência vitoriosa em Kobanî em 2014. Organizados em milícias, sendo uma delas exclusiva de mulheres (YPJ, as Unidades de Proteção Femininas), a libertação de Kobanî daria início a uma campanha de vitórias sobre o EI que segue em curso. Poucos sabiam até então da longa história de luta do povo curdo. Considerado um povo nativo da antiga Mesopotâmia é caracterizada por habitar regiões
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montanhosas, mesmo que esta demografia tenha mudado ao passar dos séculos as montanhas ainda desempenham um papel na estratégia de guerrilha dos curdos. Com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Oriente Médio e especialmente o Império Otomano derrotado viu seu território ser dividido pelos vencedores Inglaterra e França no acordo Sykes-Picot. Não apenas o território foi dividido com a criação do Iraque, por exemplo, mas a forma determinada do estado-nação foi imposta. Se antes o Império Otomano era baseado na administração e no pacto de diferentes culturas, o Estado-nação é baseada na unidade identitária e consequentemente na violência contra aqueles que não se encaixam nesta unidade. Os curdos ficaram divididos entre a Turquia, Síria, Iraque e Irã. Durante todo o século XX, realizaram diversas rebeliões e revoltas para garantir direitos básicos que lhes eram negados. Repúblicas autônomas foram criadas e esmagadas pela força do Estado e seus patrocinadores imperialistas. O genocídio, os deslocamentos em massa, a negação de sua existência, as vilas destruídas e a diáspora são realidades em comum para os curdos dentro destes quatro territórios desde então. No final dos anos 70 surge na Turquia o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que na década seguinte ganharia adesão da população curda e entraria em um conflito aberto contra o estado turco. No auge do período das lutas de libertação nacional, o partido segue a mesma linha de lutar pela criação de um estado nacional curdo independente. No entanto diversos fatores, em especial a ascensão das organizações femininas dentro do partido irão mudar profundamente os métodos e objetivos da luta. Uma das principais lideranças do PKK, Abdullah Öcalan foi preso no Quênia em 1999 pelo serviço secreto turco com apoio da CIA e do Mossad israelense. Öcalan, mantido até hoje em confinamento, iria de a prisão sistematizar as novas linhas ideológicas que surgiram no partido durante os anos 90. A forma do Estado-nação passa a ser identificada como uma dominação imposta aos povos da região e por tanto cai por terra o objetivo de formar um estado independente curdo.

A negação do estado e o confederalismo democrático A negação do estado implica em novas formas de organização da sociedade, inspirado pelos zapatistas no México e pelos escritos do anarquista americano Murray Bookchin, Öcalan propõe um sistema denominado confederalismo democrático. A proposta é a organização das comunidades em reuniões presenciais onde tudo é decidido por todos dentro de pequenos territórios. Quando um assunto envolve uma região maior, a construção de uma estrada ou abastecimento elétrico, por exemplo, delegados da comunidade vão para um conselho regional levar as decisões para outras comunidades. Estes delegados não vão decidir pela comunidade e sim levar as decisões tomadas pelo grupo para o outro nível. É um fluxo de tomada de decisões e poder que vem de baixo para cima. Com o início da guerra na Síria, o governo foi incapaz de manter as forças armadas na região curda. As milícias curdas expulsaram os soldados do regime que restaram e desde 2012 estabeleceu-se o território autônomo de Rojava, regido pelos princípios do confederalismo democrático. A democracia direta aplicada através dos conselhos populares baseados na comuna como sua unidade mais importante é responsável pelas decisões, porém ainda hoje divide o espaço políticos com uma assembleia legislativa e um comitê executivo que mais se assemelham a formas parlamentares de representação. - Coletivo Coyote



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